A pandemia cresce no Brasil, como capim em gleba abandonada.
Fui outro dia no supermercado e fiquei observando aquela gente toda de máscara. Surreal.
Já usei máscara em outras épocas. No surto de gripe suína de 2009, passei três meses indo trabalhar ou a lugares públicos devidamente protegido. As pessoas me olhavam com estranhamento. Nos primeiros dias, eu sentia um pouco de vergonha, mas acabei me acostumando. Dezembro veio e passou e a epidemia não chegou em Natal. Abandonei as máscaras. Em abril de 2010 tive um virose gripal violenta. Não fiz o teste, mas tenho certeza que foi a H1N1, como a gripe do porco foi rebatizada, pois nunca tive uma gripe tão forte em minha vida.
Hoje, vendo todo mundo de máscara no supermercado, percebo como é irreal isso. Estamos vivendo uma história de ficção científica. E as pessoas já normalizaram isso.
Também já estamos normalizando as mortes.
Há apenas dois meses, estávamos chocados com as notícias que vinham da Europa. Itália e Espanha contavam 400 mortes por dia. O horror!
Aqui, parecia que estávamos protegidos. Mas lá de cima vinha a pressão contra o isolamento social. Prefeitos e governadores eram acusados de quebrar o país. Os lá de cima organizaram carreatas nas cidades, deram o mau exemplo. "Todo mundo vai morrer um dia".
As pessoas aqui embaixo foram se cansando de ficar trancados. Vendo seus líderes na rua, sem máscara, desprezando a mortalidade, foram afrouxando o isolamento e perdendo o medo.
Hoje o Brasil conta os mortos em mais de mil por dia. Um por minuto. E não estamos chocados.
Ainda não estamos vendo os cadáveres acumular nas calçadas. O pessoal da saúde se apavora com a perspectiva, vendo as poucas UTIs serem lotadas rapidamente.
Mas o cidadão comum, o Homer Simpson de William Bonner, desconhece esse risco. Compra fácil a necropolítica, parece preferir não acreditar e seguir a vida normal. É mais confortável.
Nós continuamos isolados.
Corremos os riscos que somos obrigados a correr. Hoje, por exemplo, temos um eletricista aqui em casa trocando a fiação, pois estamos sem energia desde ontem à noite.
Ele ora usa a máscara, ora não. Marília briga comigo porque chego muito perto do eletricista. "Tem que ficar mais distante", fala baixinho depois de me chamar. Explico que não estamos num hospital e que está muito ventilado lá no corredor. Ela se irrita.
Quarta-feira, fui eu que fiquei preocupado. Ela passou mais de meia hora dentro de uma farmácia, apenas com máscara de pano, andando pra lá e pra cá, lendo embalagens de produto, passando a mão no cabelo. Tentei alertá-la para o risco, mas ela se irritou comigo. Paciência. Cruzar os dedos e torcer para que nenhum covídico tenha infectado aquela farmácia.
Foto: aguardando a gripe suína na Faz Propaganda, em 2009.
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